O filme: A ONDA

Fonte: http://filosofiadocaos.blogspot.com/

A onda, os microfascismos e a vontade apocalíptica.


Há muito tempo que um filme não me impressionava tanto como o alemão “A onda” (Die Welle, 2008), baseado na história verdadeira de Ron Jones, um professor de história contemporânea de uma escola secundária da Califórnia (diferentemente do filme, que ocorre na Alemanha). Em uma aula de teoria política, a partir do desinteresse dos alunos, o mestre propôs uma aula embasada nos pressupostos dos regimes fascistas que culminou em uma reação impressionante dos alunos, que inicialmente eram trinta e em apenas quatro dias atingiram a impressionante quantidade de duzentos discentes. Não vou contar mais detalhes da história para não revelar o filme (que estará disponível para download). Mas o que me perturbou foi o aspecto psicológico das massas na construção fascismo. Adolescentes apáticos em relação à política, de repente tornam-se ativistas proliferando ódio e ideais e reafirmando a disciplina, o espírito de grupo e a supremacia de valores.
O psicanalista alemão Wilhelm Reich, em seu livro psicologia de massa do fascismo, prioriza a idéia de que o fascismo não foi algo ideológico imposto uma massa alienada, mas sim desejado pela mesma. Ao ler a magnabiografia que Safranski faz de Heidegger, percebe-se o quão esperançoso foi o Nacional-socialismo e a figura de Adolf Hitler para o povo alemão, como diz o próprio Heidegger: No começo doa anos 30 às diferenças de classe em nosso povo tinham-se tornado intoleráveis para todos os alemães com senso de responsabilidade social, bem como o pesado ônus econômico da Alemanha devido ao Tratado de Versailles. No ano de 1932 havia 7 milhões de desempregados que, com suas famílias, só podiam esperar pobreza e necessidade. A perturbação devido a essas condições, que a atual geração nem consegue mais imaginar, também atingiu as universidade [...] Tais enganos já aconteceram com homens maiores do que eu: Hegel viu em Napoleão o espírito do mundo e Hölderlin o viu como o príncipe da festa a qual os deuses e Cristo foram convidados.
O mais impressionante é que o fascismo, como disse Foucault, não existe apenas no âmbito ditatorial e centralizado de Mussolini e Hitler, mas também em todos nós, que assombra nosso espírito e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, deseja esta coisa mesma que nos domina e nos explora (Uma Introdução à vida não-fascista). O fascismo não é algo externo que se restringe aos alemães, tanto que a experiência do professor Ron Jones, foi desenvolvida em uma escola dos EUA, onde o meio cultural divergia totalmente daquele encontrado na Alemanha cerca de 30 anos antes.
Deleuze e Guattari em seu rizomático livro Mil Platôs,salientam a idéia de Foucault: “Mas o fascismo é inseparável de focos moleculares, que pululam e saltam de um ponto a outro, em interação, antes de ressoarem todos juntos no Estado nacional-socialista. Fascismo rural e fascismo de cidade ou de bairro, fascismo jovem e fascismo ex-combatente, fascismo de esquerda e de direita, de casal, de família, de escola ou de repartição: cada fascismo se define por um microburaco negro, que vale por si mesmo e comunica com os outros, antes de ressoar num grande buraco negro central generalizado”.
O fascismo não é algo macro e sim molecular, não centralizado e sim disseminado, metástase cancerígena, não existem fascismos e sim disseminações fascistas em micro-escalas. O nazismo foi a exponenciação da subjetividade dos microfascimos, que não tem fronteira e ainda hoje ganham campo em cima do vazio existencial e da vida niilista da contemporaneidade. O vazio e a angústia do homem contemporâneo são campos abertos para a disseminação e busca de um padrão hegemônico, lacunas que foram aproveitadas pelos governos ditatoriais e culminaram nas grandes desgraças vistas no século passado.
O final do filme, a partir desse discurso torna-se previsível. No facismo impera a vontade de destruição: É curioso como, desde o início, os nazistas anunciavam para a Alemanha o que traziam: núpcias e morte ao mesmo tempo, inclusive a sua própria morte e a dos alemães. Eles pensavam que pereceriam, mas que seu empreendimento seria de toda maneira recomeçado: a Europa, o mundo, o sistema planetário. E as pessoas gritavam bravo, não porque não compreendiam, mas porque queriam esta morte que passava pela dos outros. É como uma vontade de arriscar tudo a cada vez, de apostar a morte dos outros contra a sua(Mil Platôs 3). A metáfora da metástase ganha mais força, e o regime suícida do fascismo anula-se : O telegrama 71 — Se a guerra está perdida, que pereça a nação — no qual Hitler decide somar seus esforços aos de seus inimigos para consumar a destruição de seu próprio povo, aniquilando os últimos recursos de seu habitat, reservas civis de toda natureza (água potável, carburantes, víveres, etc.) é o desfecho normal...(Idem).

Ficou interessado? Se quiser assitir ao filme, faça oDownload!

Para saber mais:
SAFRANSKI , R Heidegger: Um mestre na Alemanha entre o bem e o mal
DELEUZE E GUATTARI, O Anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrênia
____________________ Mil Platôs
FOUCAULT, M. Introdução à uma vida não fascista
            REICH, W. Psicologia de massa do Fascismo.

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